Acabei há uns dias de ler O Processo. Li-o de rompante, mas em duas fases (uma delas no estrangeiro, só para perceberem o nível desta pessoa que vos escreve). E ao ler pensei, en passant, se devia ou não ler aquilo, porque diz que o Sr. Franz deixou em testamento que não queria a sua publicação. O Sr. Max, seu amigo, em vez de seguir as instruções, resolveu publicar. Diz ele que, no fundo, era isso que o Sr. Franz queria. Não sei se era ou se não era e também agora já não me interessa muito. Li, está lido.
Mas isto levanta uma questão importante. Porque é que se acha que as pessoas dizem uma coisa mas querem outra? Tenho para mim que a culpa destes mal-entendidos é apenas e só dos Srs. Fiz-isto-e-acho-que-está-muito-bom-mas-vou-dizer-que-não-está-para-ver-se-insistem-comigo-e-se-me-dizem-o-quão-bom-eu-sou-e-depois-vou-dizer-oh-sou-lá-agora-bom-para-ver-se-insistem-mais-um-bocadinho-e-para-parecer-que-tudo-isto-foi-contra-a-minha-vontade, que, no fundo, também se chamam Srs. Não-obrigada-não-vale-a-pena-não-te-vais-estar-agora-a-incomodar-não-a-sério-estou-te-a-dizer-que-não-é-preciso-mas-não-te-faz-mesmo-diferença?-não-não-quero-então-mas-tens-a-certeza-que-não-vai-causar-transtorno?. São duas faces da mesma moeda, estes dois senhores. Os dois olhos da mesma cara, para usar uma metáfora mais original, ainda que menos conseguida. São eles que fazem os outros perder tempo em conversas inúteis e enfadonhas e que levam a que os interlocutores que por aí andam não acreditem que quando se diz não, não é preciso, é mesmo isso que se quer dizer. Não, não é preciso não é um convite para a insistência até à presumível e inevitável inversão de resposta.
Resolvia-se isto se a primeira resposta de cada um fosse vinculativa. Ia ser bem giro e poupava-nos a todos.